segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Infância em Novo Aripuanã


Quando criança gostava de ir ao Rio Aripuanã tomar banho com o meu avô, não sabia nadar, mas tentava aprender usando salva vida. Naquela época as mulheres lavavam roupas e vasilhas na beira do rio em cima de troncos. Esperava o meu avô pegar a cuia e convidar eu minha irmã para “molhar a água” íamos sorrindo e alegres com o desejo de que aquele momento permanecesse parado no tempo.
Minha vó sempre dizia “olha meninos! Água não tem cabelo!”, mas nem ligávamos para os conselhos, à vontade e o desejo era maior que a preocupação. Um dia viajamos para uma comunidade chamada Paraná dos Araras, onde o meu avô contava uma historia de que: uma cobra grande tinha feito uma cratera que se estendia até a casa de farinha, e que começou apenas com um furo que estrondava por varias noites. Mas o incrível é que neste vão haviam vários peixes e que a profundidade do buraco é enorme. Um dia minha Irmã furou o pé com esporão de mandií, dor insuportável! E a comunidade era longe da cidade, minha vó usou o conhecimento oriundo da floresta, colocou tabaco com andiroba e copaíba no ferimento, e a dor amenizou e noutro dia o ferimento tinha desinflamado.
Minha vó me carregava dentro do paneiro, e no caminho da roça ia colocando as frutas para minha alimentação. Ficávamos dias naquela localidade, em 84 deu uma enorme enchente que trazia com ela trocos de árvores, cobras e jacarés. Entretanto éramos crianças e não entendíamos o que se passava, mas um dia minha irmã e eu pegamos uma gamela – feito canoa – e remamos ao rio. Meus avôs quase morreram quando viram nos dois no meio do rio Paraná, que são cheios de Jacarés, até hoje eu não sei como nos pegaram.
Vive o sofrimento dos meus avôs em trabalhar na juta, passavam horas e horas com a metade do corpo na água suja e cheia de sanguessuga, correndo risco de adoecerem por míseros pagamentos. Muitos regatões exploravam a falta de conhecimento de meus avôs e de outros caboclos, alem de trabalhar com juta eles também eram seringueiros, talvez a forma de trabalho que realizavam tenha prejudicado tanto a sua saúde.
Tomava-mos café torrado na hora, com bejú de tapioca com castanha, não tinha leite, pois era muito caro, mas lembro do Coroa de Rei, Campo Verde, das bolachas Papaguara, marcas que davam água a boca só de pensar em tomar café.
Quando voltamos ao Aripuanã em 86 em plena copa do mundo, olhei pela primeira vez meio desconfiado uma televisão, meus avós não tinham TV na época, então ficávamos em frente da casa do ex-prefeito, olhando curiosamente para aquela caixa de madeira que aparecia imagem e falava. Encantados ficávamos horas em pé em frente à janela do ex-prefeito Nilton Buzaglo.
Todas as crianças que moravam próximas acordavam cedo e brigavam pelo melhor lugar na janela, incomodávamos muito os moradores da casa, mas nem nos importava com o calor, frio, chuvas, etc., queriam está ali, olhando os desenhos do manda chuva, flinstones, smanfets, Rintintin, os Trapalhões.
Comecei a estudar e tinha o sonho de ganhar uma lancheira, daquelas que vendiam na extinta COBAL, no entanto meus pais não tinham condições financeiras para comprar, então eu levava meu copo pendurado na cintura, meus livros e caderno colocava em sacas de sandália havaianas, mas nunca faltava pois meus avós mesmo sendo analfabetos sabiam que a educação era o melhor caminho para alcançar nossos objetivos. Vivi minha vida escolar na escola que hoje eu sou professor, e que meus filhos estão estudando, Escola Estadual Professor Francisco Sá antes mesmo de me matricularem eu já freqüentava as áreas do colégio, lembro da antiga Telamazon, onde a professora Neumice era a operadora de telefone e o seu Perigoso comunicava para quem era o telefonema. Do Mobral com a Professora Arlete Leandro, do futebol de salão na quadra toda deformada, do voleibol e dos fins de semana perturbando os vigias.
Uma lembrança inesquecível era da época que eu vendia pão, por influencia dos colegas resolvi tentar, convenci meu avô a comprar uma galera. Acordava às 4 da manhã para pegar o pão, todos os padeiros tinham seus fregueses, e a localidade que mais vendia era no bairro da Bolívia. No entanto todos tinham medo de atravessar o cemitério, então esperávamos o dia amanhecer, e o primeiro corajoso a atravessar o cemitério vendia todos os pães e ganhava o maior lucro. Tive muito prejuízo com a venda de pães, por que era pequeno e não sabia negociar, os padeiros maiores me enganavam e eu tinha muita curiosidade deixava minha galera para pular n’água logo de manhã, esperava os barcos de linha atracar no porto, para pegar reboque até o meio do rio Aripuanã. Muitos meninos esperavam os barcos como: Dois Irmão, Mario Antonio, Almirante Vicente entre outros. Ficávamos horas esperando o barco desatracar... Os segundos que ficávamos presos aos pneus do barco eram incríveis.
Minha vó me amedrontava quando chegava a Corveta do exercito, sempre ela dizia que eles vinham prender as crianças que eram desobedientes. Um dia veio um circo a Novo Aripuanã, não lembro o ano, mais faz muito tempo, quando o circo começou a ser armado, bem do lado da escadaria olhava encantado e espantado com os animais, artistas e com vida que as pessoas levavam. Depois do circo armado tentei entrar para olhar curiosamente com funcionava o espetáculo. O circo era todo cercado de arame farpado, passei eu e meus colegas por baixo do arame, mais um dos seguranças correu atrás da gente, então me joguei por baixo do arame e acabou arranhando minha costa, sair gritando lá do circo até minha casa.
Minha irmã sempre foi dedicada em seus estudos, eu já era o contrario, tinha muita dificuldade em aprender, meu desenvolvimento era lento. Minha tia que é professora levava eu e minha irmã para escola, enquanto a Greice estudava eu ficava escondido atrás da porta da sala de aula. Devo muito a minha tia, hoje somos colega de profissão, pela mão dela passaram muitos alunos, muitos ela ensinou a ler e escrever, são mais de 30 anos de profissão e dedicação com a educação aripuanense, infelizmente o educador não é valorizado, e nem reconhecido pela dedicada profissão que exerce.

2 comentários:

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  2. Oi Gilmar!
    Fiquei emocionada ao ler seus relatos da nossa infância. Que saudade da aurora de nossa
    vida,de nossa infância querida, dos dias que não voltam mais...(by Casimiro)
    Bons tempos aqueles, sem dúvida! Mas você esqueceu de mencionar suas manias de incendiário (que quase te custou uma perna), seu amor pelo boi Corre-Campo em que você sempre era o vaqueiro :o) e dos "7 de setembro" em que sempre se marchava no sol quente, quase desmaiando, com a convicção de que fazíamos parte de um grande espetáculo!
    Sinto saudade de tudo isso!
    Um grande abraço meu querido irmão!

    Grecilane Façanha

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